Das cartas do exílio às fotografias
dos refugiados
Mariana Santos do Nascimento
José Dário dos Santos
Aílla de Kássia Lemos Santos
Luis Felipe Durval
Lucas Melo da Silva
EREM Martins Júnior.
O presente trabalho foi escrito pela equipe do Martins Júnior como uma justificativa historiográfica a respeito dos temas escolhidos para o planejamento didático executado no segundo semestre de 2016.
A
Ditadura Civil-Militar no Brasil (1964-1985) teve como uma de suas marcas a
forte repressão a grupos e partidos opositores ao Estado, instrumentalizada
pela edição de Atos Institucionais, destacando-se os 5 primeiros Atos, que
foram instrumentos jurídicos para legitimar as brutalidades do regime, acarretando
perseguições, torturas e outras formas de violência. Diante dessa situação de
um constante medo ante as represálias da ditadura, as únicas alternativas eram
o enfrentamento direto ao governo, seja politicamente ou pelas armas, ou o
exílio. Muitas pessoas foram banidas do país por meio de Atos de banimento,
devido ao enfretamento à ditadura, inclusive o enfrentamento político. Porém,
outras se exilaramdevidoàs dificuldades encontradas para defrontar o regime
militar e temendo sofrer represálias, incluindo até o risco de morte ou
desaparecimento, sendo aproximadamente 5 a 10 mil o número buscando refúgio em
países como Portugal, Suécia, EUA, México, Venezuela, Argélia, Cuba, sobretudo
França e Chile[1].
O
egresso de pessoas do Brasil ocorreu em dois momentos, segundo Fábio Lucas da
Cruz.Primeiro houve grande saída após 1964, sendo as pessoas que saíram ligadas
ao governo de João Goulart, a sindicatos, assim como membros da Ação Popular e
outros movimentos. O segundo momento de evasão foi após 1968, com a instauração
do AI-5 sendo as pessoas egressas ligadas à guerrilha urbana e membros da
Aliança Libertadora Nacional (ALN) e da Vanguarda Popular Revolucionária (VPL).
Há de se notar que a saída dessas pessoas não representou um enfraquecimento em
massa da luta contra a ditadura, pois muitos destes continuaram a lutar contra
o regime mesmo fora do país.Após muita luta e denúncia dos abusos cometidos
pelo regime a partir de 1979, foi sancionada a Lei da Anistia onde cerca de 150
pessoas banidas e 2.000 exilados foram novamente aceitos no Brasil[2], porém a Anistia também
foi concedida aos torturadores usando do argumento de que foram cometidos
crimes por ambos os lados.
Diferentemente,
do exílio no caso brasileiro, que em sua maioria, havia a fuga como uma
possibilidade, novas configurações de deslocamentos humanos acentuando no
mundo, sendo estes de forma impelida. No final do século XX, acentuaram-se os
deslocamentos humanos pelo mundo, nos últimos anos muitos autores se debruçaram
sobre o tema, sobretudo tratando da questão humanitária dos refugiados.
Famílias deixam seu país de origem, devido a regimes ditatoriais,
fundamentalismo religioso, guerra civil, tendo como única opção procurar asilo
em outro país. Mas, quem são os refugiados? Devemos saber que a problemática
dos deslocamentos forçados no mundo não é nova e os esforços internacionais
também não.
Após a Segunda
Guerra Mundial (1939-1945), foram estabelecidos organismos para tratarem dos
refugiados europeus, palestinos e coreanos.A
Comunidade Internacional estabeleceu o Alto Comissariado das Nações Unidas para
os Refugiados (ACNUR) e promoveu a Convenção das Nações Unidas relativa ao
Estatuto dos Refugiados que forneceu, em 1951, uma definição geral de
“refugiado”como sendo alguém fora do seu próprio país e que não
poderegressar devido a um receio fundado de perseguição por razões de raça,
religião, nacionalidade, opiniões políticas e pertença a um grupo social.
A
Convenção atribui responsabilidade aos Estados de proteção e assistência aos
refugiados, sobretudo aos países de asilo, para onde migram os refugiados.
Reconhece também que as pessoas que procuram asilo fora de seu país devem se
beneficiar de certos direitos e que a ajuda aos refugiados não deve ser vista
como uma mera caridade internacional ou benefício político.
Nota-se
que a situação do refugiado é sempre muito delicada e vem despertando interesse
da Comunidade Internacional desde a metade do século passado. Porém no caso
específico dos refugiados da contemporaneidade, tratando especificamente dos
refugiados sírios, a situação é extremamente preocupante, pois o motivo que os
leva a saírem de seu país é uma guerra civil que já se estende por cerca de
cinco anos e que ainda não aponta perspectivas de se findar.
Os
confrontos na Síria iniciaram em 2011, período em que eclodiu a Primavera Árabe[3], está última servindo de
inspiração aos rebeldes sírios, e tinham a aspiração de derrubar o governo do
ditador Bashar Al-Assad e promover um regime democrático, porém Assad tem
reprimido fortemente os rebeldes, de modo que ainda se perdura esse
enfretamento entre o exército de Assad e os rebeldes.
A
situação na Síria ainda se agrava porque várias milícias entraram nesse
conflito lutando contra o governo, mas com objetivos diferentes dos daqueles
rebeldes que querem um governo democrático. Um grande exemplo disto, é o Estado
Islâmico que atua na guerra lutando contra o regime de Assad por motivos
fundamentalmente religiosos, embora segundo Gabriela Furtado, Henrique Roder e
Sergio L. C. Aguilar, a disputa política na Síria esteja sempre relacionada a
disputas religiosas.
Além
de toda a problemática interna que permeia este conflito, soma-se o debate
internacional acerca de como se posicionar frente a este combate civil, pois,
segundo Luís Fernando Casara Corrêa, o Conselho de Segurança Internacional não
forma um posicionamento uniforme, pois países como EUA, Grã-Bretanha e França
são favoráveis à interferência direta no conflito, enquanto Rússia e China são
totalmente contrários à interferência externa e ainda cabe ressaltar que ambos
os posicionamentos estão intimamente ligados aos interesses políticos e
econômicos destes países. Esse entrave internacional vem contribuindopara
destruição que ocorre na Síria e ainda pode ocasionar um enfretamento mundial,
visto que o debate em torno da intervenção ou não vem reanimando a disputa de
poder entre EUA e Rússia.
Toda
essa delicada situação na Síria já resultou em cerca de 470 mil mortos[4] e quase 5 milhões de
refugiados[5] em países vizinhos como
Turquia, Egito, Jordânia, países estes que enfrentam problemas para abrigá-los
devido à falta de recursos disponíveis para tamanhocontingente.
Todo
esse processo, em nosso tempo, merece uma discussão em sala de aula, pois é
grande a quantidade de notícias vinculadas a esse tema em nos meios de
comunicação.No entanto, são poucos os que entendem o real motivo desse conflito.
É necessária uma reflexão aprofundada diante desses acontecimentos que ainda
podem trazer consequências mais sérias para a nossa época, fazendo com que esta
temática seja relevante em nossas salas de aula, até porque as imagens dos
refugiados nas redes sociais provocam uma série de questionamentos entre os
próprios estudantes que, em sua maioria, compartilham estas fotos em seus
perfis, despertando sentimentos para com a situação dos refugiados e
repugnância à situação de guerra vivida no Oriente Médio.
Um recurso que
proporciona o debate deste tema na escola é o contato dos estudantes com fontes
documentais, visto que o trabalho documental em sala favorece o estudante
pensar historicamente o mundo; a pesquisa e análise crítica de texto estimulam
leituras e releituras do mundo particular do estudante, de sua comunidade, etc.
Tendo sido superada a ideia documental proposta pelo Positivismo, a perceber o
documento como verdade absoluta, como se ele falasse por si só, não
precisássemos questioná-lo, nos norteamos bem distante desta concepção
histórica.
Ao levar à sala
de aula registros documentais, no caso, cartas e fotografias, propomos pensar
com os alunos as problemáticas do documento: O que ele diz? Quem fala? De onde fala? A quem se dirige? Desta
maneira, questionando as fontes documentais, pretendemos fazer com que os
alunos pensem independentemente, longe das análises prontas e postas como quase
que esgotadas no livro didático escolar, deste modo, a partir do contato e
crítica documental eles identificarão o trabalho e a importância do
historiador.
Eleger uma questão, selecionar registros que tratem do assunto,
contextualizar, decodificar e construir uma ou mais versões desse tema são as
tarefas básicas desse tipo de trabalho. E, para tanto, cabe ao professor de
História, como um bom historiador, orientar seus alunos a lidar com a
diversidade de dados, pois só cada vez mais raras as análises históricas
alicerçadas por um único tipo de documento. (SAMARA: 2007, p.167)
Nossa proposta é
trabalhar em sala as cartas do exílio escritas pelo ex-governador de Pernambuco
Miguel Arraes de Alencar, em virtude do centenário natalício do político. Feita
a seleção da documentação no Instituto Miguel Arraes de Alencar (IMA), optamos
por registros que demonstrassem suas intervenções no Brasil, mesmo estando na
Argélia, a questão do ideário brasileiro e como o exilado político pensava seu
país fora dele.
Prefeito da
cidade de Recife, deputado
estadual, deputado federal e por três
vezes governador do estado de Pernambuco,
Arraes é um personagem significativo para levarmos a discussão da produção dos
exilados para dentro da sala de aula. Seu governo, no início da década de 1960,
era considerado de esquerda. Com a deflagração do golpe civil-militar em 1964
foi considerado subversivo, tendo sido proposto que renunciasse para evitar a
prisão, não acatando a proposta foi preso no dia 1º de abril.
Com sua deposição,
o governador foi encarcerado no 14º Regimento de Infantaria do Recife, tendo
sido posteriormente levado para a ilha de Fernando de Noronha, onde permaneceu por
onze meses. Em seguida, foi encaminhado para as prisões da Companhia da Guarda
e do Corpo de Bombeiros no Recife e da Fortaleza de Santa Cruz no Rio de Janeiro. Em 19 de abril seu
pedido de habeas corpus foi protocolado
no Supremo Tribunal Federal.Feita a concessão,
foi libertado em 25 de maio de 1965
e, para evitar novas prisões, decidiu exilar-se na Argélia.É sobre as memórias
deste exílio que iremos abordar.
Refletindo
historicamente, compreendemos a importância dos registros, sobretudo como
preservação de memórias que estão sempre em interação com espaços ocupados pelos
indivíduos. Segundo Paul Ricoeur, a memória é intelectiva e sensitiva, ou seja,
é composta por imagens que são apreendidas pela sensibilidade e influenciadas
pela experiência. Neste sentido, entende-se a memória como dinâmica, sempre
estando em contato com novas vivências, novas concepções e locais de leituras
do mundo, assim o ato de narrar é sempre algo novo. Embora o indivíduo
histórico seja o mesmo, suas vivências não são.
A fotografia como
preservação de memória nos dá novas possibilidades de estudo da história, como
também de entender o mundo através das imagens, muito embora assim como
documento escrito, não podemos cair no erro positivista de achar que tudo que
está registrado é verdadeiro. As novas tecnologias podem facilmente manipular
as imagens através de softwares que
surpreendentemente confundem o real com o fictício, mas para nossa prática
escolar e de pesquisa histórica devemos
Discutir
a possibilidade de mentir da imagem fotográfica. A revolução digital, provocada
pelos avanços da informática, torna cada vez maior esta possibilidade,
permitindo até que os mortos ressurjam para tomar mais um chope, tal como a
publicidade já mostrou. Não importa se a imagem mente; o importante é saber
porque mentiu e como mentiu. (Mauad:1996,
p. 15)
Trazendo
a temática dos refugiados sírios através das imagens, nossa proposta é discutir
o registro fotográfico como documento, o texto neste caso é a própria imagem,
sendo texto, devemos fazer as mesmas interrogações que fazemos ao texto
escrito, percebendo que as fotos espalhadas pelas mídias, sobretudo pelas redes
sociais, não somente nos apontam à sensibilidade para com as pessoas que
sofrem, mas narram uma história, que é atual e que milhares de pessoas estão
sendo vítimas dela. Não podendo intervir diretamente na realidade dos
refugiados, movidos pelos impactos que as fotografias nos provocam, nossa
proposta é ultrapassar os sentimentos, é mobilizá-los para que visualizem os
“refugiados”, “exilados” no mundo deles, em suas comunidades, e a partir desta
percepção a intervenção como agente de transformação social na vida da
comunidade.
Através
deste trabalho, pretendemos que os estudantes percebam o papel da narrativa,
sobretudo a figura do narrador, presente no seu dia-a-dia, pois dentro de suas
casas, das comunidades, igrejas, nos ônibus, sempre nos deparamos com pessoas
que estão dispostas a partilhar suas experiências e, muitas vezes, não damos
importância. Portanto, entendendo o narrador como esta figura de memórias,
acreditamos ser importante os alunos percebê-lo nas ambiências extraescolares e
seu papel na sociedade, de sempre ler o tempo passado como construção do
presente, situando o estudante nestes locais de narrativa histórica, sejam
estes os objetos, as pessoas ouas
redes sociais e a importância deles nestes locais de memória, não apenas
como espectador, mas também como produtor de memórias.
A
análise e estudo da produção de memória feita através de cartas e fotografias
que objetivamos trazer para as aulas, visa estimular o aluno a uma maior
valorização do seu papel enquanto agente produtor de memória, de alguém que
deixa seus vestígios para posteridade e isto fazemos por uma necessidade
primordial do mundo atual, visto que, de acordo com o historiador Eric
Hobsbawm, o mundo contemporâneo vive um presente contínuo, ou seja,
direcionamos nosso pensamento e atitudes exclusivamente para o presente e
esquecemo-nos de nos voltar para o passado,para as memórias do que já se passou
e isto causa um esquecimento em nossa sociedade, isto é, uma incapacidade de
recordar aquilo que se passou e isso pode ocasionar um sério problema abrindo
espaço para que desastres ocorridos possam reverberar no nosso tempo e em cima
dessa particularidade do mundo contemporâneo é que pretendemos resgatar a
importância de produzir registros das memórias. Em outras palavras, instigar
nos alunos uma percepção da necessidade da História em nossa sociedade.
Com
isso, buscamos mostrar que coisas do nosso cotidiano, como cartas, que podem
ser aqui assimiladas as mensagens eletrônicas da atualidade, e fotografias
podem ser utilizadas como fontes históricas e que os próprios alunos têm o
potencial de serem produtores de registros do seu tempo.
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[1]CRUZ, Fábio Lucas.
A História e as memórias do exílio brasileiro. Revista Catarinense de História [on-line], Florianópolis, n.20,
p.115-137, 2012. (Pág. 115/116)
[2] CRUZ, Fábio Lucas. Op. Cit. (Pág.
135)
[3] Série de protestos ocorridos no
mundo árabe iniciados na Tunísia em 2010 onde se reivindicava inicialmente
melhorias socioeconômicas e contra governos não democráticos, mas que evoluiu
para uma contestação do alinhamento desses governos a países ou ideias
ocidentais, visto que estes últimos foram responsáveis por sua colonização no
séc. XIX.
[4]Número de
mortos em guerra civil na Síria chega a 470 mil, diz jornal. Acesso: 14 setembro 2016. Disponível em:
[5] Dados sobre refúgio no Brasil. Acesso: 14 setembro
2016. Disponível em: http://www.acnur.org/portugues/recursos/estatisticas/dados-sobre-refugio-no-brasil/
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