domingo, 30 de abril de 2017

O empoderamento feminino negro enquanto proposta pedagógica na EREM Trajano de Mendonça

Na Semana da Mulher, realizada anualmente na EREM - Trajano de Mendonça, nosso grupo do PIBID-UFPE foi convidado para compor a programação do evento. Ao nos reunirmos, optamos trabalhar com os(as) alunos(as) o tema “Empoderamento Feminino Negro”. Com essa temática, tivemos como objetivo levar um dos conceitos de empoderamento, discutir as correntes feministas, a partir de uma perspectiva histórica, assim como o racismo, classe, gênero e apropriação cultural.
Aplicamos o plano de aula em duas turmas. Assim que chegamos na sala, pedimos para que todos(as) fizessem um grande círculo. Após se acomodarem, solicitamos que eles anotassem em um papel alguns adjetivos, palavras, sensações que eles(as) tinham e que guardassem aquele papel para o final da aula.
Para isso, dar continuidade a aula, utilizamos a música “Mulheres Negras” da rapper feminista, Yzalú, que funcionou como motivação inicial da aula e também nos serviu como plano de fundo para que os(as) alunos(as), através da letra da canção, começassem a ser provocados com as diversas temáticas abordadas pela cantora.

Alunos participando da atividade proposta pelos bolsistas.

Na primeira aplicação do plano de aula, após os(as) alunos(as) receberem a canção impressa, pedimos que todos(as) acompanhassem a música que ia tocar, em leitura, e que eles(as) grifassem as partes que lhes chamaram mais atenção e que também poderiam fazer anotações, indagações, contextualizações. Nessa atividade, foram identificados por eles(as): diferença de classe, a temática da escravidão, questionaram a publicidade em torno das mulheres negras, assim como seus papéis nas novelas e também cargos importantes que elas estavam invisibilizadas como médica, donas de uma empresa.
Ao perguntarmos sobre o que eles(as) achavam que significava “empoderamento”, foi possível perceber que eles, no primeiro momento, identificaram o empoderamento da mulher como se esta estivesse acima do outro gênero, ou seja, acima do homem ou também como alguém que estava “tomando poder” ou “detendo poder nas mãos”. Entretanto, ao conceituarmos o termo como: “Empoderar-se é reconhecer-se enquanto sujeito social, político, autor de sua própria história e capaz por lutar por seus direitos, que não são só seus, mas também de um grupo”, eles começaram a mencionar outras questões como a não submissão no relacionamento, no momento em que um dos colegas de classe mencionou que não deixaria uma namorada sair sozinha, e também com a estética negra, relacionando às mulheres negras deixarem o cabelo natural (cacheado, crespo) como uma forma de se empoderar.

Alunos foram convidados à autorreflexão sobre o papel da mulher negra no cotidiano.

Apresentamos a temática do movimento de mulheres, a partir da menção da construção do movimento feminista no século XX, que começou a surgir num contexto essencialmente branco e de classe média. Contudo, foi-se compreendendo, com o tempo, que as mulheres negras não lutam “apenas” contra o machismo e a misoginia, mas também contra a distinção de classe e o racismo. Dentro de um debate mais contemporâneo, utilizamos como exemplo a Marcha das Vadias, que é um movimento muito criticado por mulheres negras. Tanto que, para essa afirmação, recorremos a uma carta aberta escrita por uma mulher negra, publicada no site “Black Women’s Blueprint”, que foi traduzida em português. Podemos dar destaque a esse trecho, que foi o ponto principal tocado na sala de aula, para apontarmos a crítica:
“Como Mulheres Negras, não temos o privilégio ou o espaço de nos chamarmos de “Vadia” sem validar a ideologia historicamente intrincada e recorrente de quem é a Mulher Negra. Nós não temos o privilégio de brincar com representações destrutivas que foram marcadas no nosso imaginário coletivo, nos nossos corpos e nossas almas por gerações. Apesar de compreendermos o ímpeto válido por trás do uso da palavra 'vadia’ como linguagem usada para enquadrar e representar um movimento anti-estupro, estamos gravemente preocupadas. Para nós, a trivialização do estupro e a ausência de justiça são cruelmente ligadas à narrativas de vigilância sexual, acesso legal e disponibilidade da nossa humanidade. É ligado a ideologia institucionalizada de nossos corpos como objetos sexuais da propriedade de outra pessoa, espetáculos de sexualidade e desejo sexual. É ligado às noções de nosso corpos, com roupas ou sem roupas, serem impossíveis de serem estuprados, seja na plataforma de leilão (nota: local onde se colocavam escravos à venda), nos campos ou na tela da televisão. A percepção, e a larga aceitação de especulações sobre o que a Mulher Negra quer, o que ela precisa e o que ela merece, há muito tempo ultrapassou as barreiras de somente como ela se veste.
"Semana da mulher" se tornou tradição na EREM Trajano de Mendonça e alunos aderem maciçamente à causa.

Com esse debate, também foi possível adentrar no tema sobre hiperssexualição do corpo feminino negro e também de como as mulheres negras são retratadas na mídia de maneira pejorativa. Os(as) alunos(as), como forma de trazer a exceção para sala de aula, mencionaram o programa televisivo da Globo, “Mister Brau”, e foi sentido, em algumas falas, que a própria mídia usava isso, assim como colocar mulheres negras em comerciais de televisão ou fazer produtos para cabelos crespos como uma maneira de faturar mais, como se essas mulheres “estivessem na moda”. Já outros(as) alunos(as), colocaram que isso é uma forma de se está dando mais oportunidades para as mulheres negras, diminuindo o fator do racismo.
A partir desse momento, começamos a discutir um pouco sobre “apropriação cultural”. Utilizamos como exemplo a Loja Farm, que fez uma coleção de roupas associadas ao mar, e colocou uma modelo branca para tirar uma foto com simbologia referente à Iemanjá. Provocamo-los (as) para refletirem se fosse uma mulher negra naquela foto: “o que associariam se fosse uma mulher negra com referência à Iemanjá?”. Logo os (as) alunos (as) mencionaram que isso seria algo depreciativo, pois associariam a “macumba”, apontando a questão da “intolerância religiosa”.
Como se foi dito, pedimos para que os (as) alunos (as) escrevessem num papel algumas associações que lhes vinham na mente quando escutassem “mulheres negras”. O objetivo era que no final da aula, eles escrevessem novamente o que eles achavam que podiam associar a essas mulheres e também que escrevessem cartazes com os assuntos abordados na sala de aula, ou seja, em torno da temática.
Percebemos que a música “Mulheres Negras” tinha um potencial ainda maior do que pensávamos para aula, no primeiro instante, e passamos a discutir, na segunda turma, através da música. Os trechos iam sendo mencionados pelos (as) alunos (as) e, a partir disso, começamos a discutir com ele sobre os temas que foram pensados por nós previamente. Constatamos também que, dessa forma, o debate ficou mais fluido e os(as) alunos(as) participaram de maneira mais efetiva e também que conseguimos nos ater mais ao tempo.

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