terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Das cartas do exílio às fotografias dos refugiados



Das cartas do exílio às fotografias dos refugiados

Mariana Santos do Nascimento
José Dário dos Santos
Aílla de Kássia Lemos Santos
Luis Felipe Durval
Lucas Melo da Silva

EREM  Martins Júnior.

O presente trabalho foi escrito pela equipe do Martins Júnior como uma justificativa historiográfica a respeito dos temas escolhidos para o planejamento didático executado no segundo semestre de 2016. 
A Ditadura Civil-Militar no Brasil (1964-1985) teve como uma de suas marcas a forte repressão a grupos e partidos opositores ao Estado, instrumentalizada pela edição de Atos Institucionais, destacando-se os 5 primeiros Atos, que foram instrumentos jurídicos para legitimar as brutalidades do regime, acarretando perseguições, torturas e outras formas de violência. Diante dessa situação de um constante medo ante as represálias da ditadura, as únicas alternativas eram o enfrentamento direto ao governo, seja politicamente ou pelas armas, ou o exílio. Muitas pessoas foram banidas do país por meio de Atos de banimento, devido ao enfretamento à ditadura, inclusive o enfrentamento político. Porém, outras se exilaramdevidoàs dificuldades encontradas para defrontar o regime militar e temendo sofrer represálias, incluindo até o risco de morte ou desaparecimento, sendo aproximadamente 5 a 10 mil o número buscando refúgio em países como Portugal, Suécia, EUA, México, Venezuela, Argélia, Cuba, sobretudo França e Chile[1].
O egresso de pessoas do Brasil ocorreu em dois momentos, segundo Fábio Lucas da Cruz.Primeiro houve grande saída após 1964, sendo as pessoas que saíram ligadas ao governo de João Goulart, a sindicatos, assim como membros da Ação Popular e outros movimentos. O segundo momento de evasão foi após 1968, com a instauração do AI-5 sendo as pessoas egressas ligadas à guerrilha urbana e membros da Aliança Libertadora Nacional (ALN) e da Vanguarda Popular Revolucionária (VPL). Há de se notar que a saída dessas pessoas não representou um enfraquecimento em massa da luta contra a ditadura, pois muitos destes continuaram a lutar contra o regime mesmo fora do país.Após muita luta e denúncia dos abusos cometidos pelo regime a partir de 1979, foi sancionada a Lei da Anistia onde cerca de 150 pessoas banidas e 2.000 exilados foram novamente aceitos no Brasil[2], porém a Anistia também foi concedida aos torturadores usando do argumento de que foram cometidos crimes por ambos os lados.
Diferentemente, do exílio no caso brasileiro, que em sua maioria, havia a fuga como uma possibilidade, novas configurações de deslocamentos humanos acentuando no mundo, sendo estes de forma impelida. No final do século XX, acentuaram-se os deslocamentos humanos pelo mundo, nos últimos anos muitos autores se debruçaram sobre o tema, sobretudo tratando da questão humanitária dos refugiados. Famílias deixam seu país de origem, devido a regimes ditatoriais, fundamentalismo religioso, guerra civil, tendo como única opção procurar asilo em outro país. Mas, quem são os refugiados? Devemos saber que a problemática dos deslocamentos forçados no mundo não é nova e os esforços internacionais também não.
Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), foram estabelecidos organismos para tratarem dos refugiados europeus, palestinos e coreanos.A Comunidade Internacional estabeleceu o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e promoveu a Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados que forneceu, em 1951, uma definição geral de “refugiado”como sendo alguém fora do seu próprio país e que não poderegressar devido a um receio fundado de perseguição por razões de raça, religião, nacionalidade, opiniões políticas e pertença a um grupo social.
A Convenção atribui responsabilidade aos Estados de proteção e assistência aos refugiados, sobretudo aos países de asilo, para onde migram os refugiados. Reconhece também que as pessoas que procuram asilo fora de seu país devem se beneficiar de certos direitos e que a ajuda aos refugiados não deve ser vista como uma mera caridade internacional ou benefício político.
Nota-se que a situação do refugiado é sempre muito delicada e vem despertando interesse da Comunidade Internacional desde a metade do século passado. Porém no caso específico dos refugiados da contemporaneidade, tratando especificamente dos refugiados sírios, a situação é extremamente preocupante, pois o motivo que os leva a saírem de seu país é uma guerra civil que já se estende por cerca de cinco anos e que ainda não aponta perspectivas de se findar.
Os confrontos na Síria iniciaram em 2011, período em que eclodiu a Primavera Árabe[3], está última servindo de inspiração aos rebeldes sírios, e tinham a aspiração de derrubar o governo do ditador Bashar Al-Assad e promover um regime democrático, porém Assad tem reprimido fortemente os rebeldes, de modo que ainda se perdura esse enfretamento entre o exército de Assad e os rebeldes.
A situação na Síria ainda se agrava porque várias milícias entraram nesse conflito lutando contra o governo, mas com objetivos diferentes dos daqueles rebeldes que querem um governo democrático. Um grande exemplo disto, é o Estado Islâmico que atua na guerra lutando contra o regime de Assad por motivos fundamentalmente religiosos, embora segundo Gabriela Furtado, Henrique Roder e Sergio L. C. Aguilar, a disputa política na Síria esteja sempre relacionada a disputas religiosas.
Além de toda a problemática interna que permeia este conflito, soma-se o debate internacional acerca de como se posicionar frente a este combate civil, pois, segundo Luís Fernando Casara Corrêa, o Conselho de Segurança Internacional não forma um posicionamento uniforme, pois países como EUA, Grã-Bretanha e França são favoráveis à interferência direta no conflito, enquanto Rússia e China são totalmente contrários à interferência externa e ainda cabe ressaltar que ambos os posicionamentos estão intimamente ligados aos interesses políticos e econômicos destes países. Esse entrave internacional vem contribuindopara destruição que ocorre na Síria e ainda pode ocasionar um enfretamento mundial, visto que o debate em torno da intervenção ou não vem reanimando a disputa de poder entre EUA e Rússia.
Toda essa delicada situação na Síria já resultou em cerca de 470 mil mortos[4] e quase 5 milhões de refugiados[5] em países vizinhos como Turquia, Egito, Jordânia, países estes que enfrentam problemas para abrigá-los devido à falta de recursos disponíveis para tamanhocontingente.
Todo esse processo, em nosso tempo, merece uma discussão em sala de aula, pois é grande a quantidade de notícias vinculadas a esse tema em nos meios de comunicação.No entanto, são poucos os que entendem o real motivo desse conflito. É necessária uma reflexão aprofundada diante desses acontecimentos que ainda podem trazer consequências mais sérias para a nossa época, fazendo com que esta temática seja relevante em nossas salas de aula, até porque as imagens dos refugiados nas redes sociais provocam uma série de questionamentos entre os próprios estudantes que, em sua maioria, compartilham estas fotos em seus perfis, despertando sentimentos para com a situação dos refugiados e repugnância à situação de guerra vivida no Oriente Médio.
Um recurso que proporciona o debate deste tema na escola é o contato dos estudantes com fontes documentais, visto que o trabalho documental em sala favorece o estudante pensar historicamente o mundo; a pesquisa e análise crítica de texto estimulam leituras e releituras do mundo particular do estudante, de sua comunidade, etc. Tendo sido superada a ideia documental proposta pelo Positivismo, a perceber o documento como verdade absoluta, como se ele falasse por si só, não precisássemos questioná-lo, nos norteamos bem distante desta concepção histórica. 
Ao levar à sala de aula registros documentais, no caso, cartas e fotografias, propomos pensar com os alunos as problemáticas do documento: O que ele diz? Quem fala? De onde fala? A quem se dirige? Desta maneira, questionando as fontes documentais, pretendemos fazer com que os alunos pensem independentemente, longe das análises prontas e postas como quase que esgotadas no livro didático escolar, deste modo, a partir do contato e crítica documental eles identificarão o trabalho e a importância do historiador.
Eleger uma questão, selecionar registros que tratem do assunto, contextualizar, decodificar e construir uma ou mais versões desse tema são as tarefas básicas desse tipo de trabalho. E, para tanto, cabe ao professor de História, como um bom historiador, orientar seus alunos a lidar com a diversidade de dados, pois só cada vez mais raras as análises históricas alicerçadas por um único tipo de documento. (SAMARA: 2007, p.167)
Nossa proposta é trabalhar em sala as cartas do exílio escritas pelo ex-governador de Pernambuco Miguel Arraes de Alencar, em virtude do centenário natalício do político. Feita a seleção da documentação no Instituto Miguel Arraes de Alencar (IMA), optamos por registros que demonstrassem suas intervenções no Brasil, mesmo estando na Argélia, a questão do ideário brasileiro e como o exilado político pensava seu país fora dele.
Prefeito da cidade de Recife, deputado estadual, deputado federal e por três vezes governador do estado de Pernambuco, Arraes é um personagem significativo para levarmos a discussão da produção dos exilados para dentro da sala de aula. Seu governo, no início da década de 1960, era considerado de esquerda. Com a deflagração do golpe civil-militar em 1964 foi considerado subversivo, tendo sido proposto que renunciasse para evitar a prisão, não acatando a proposta foi preso no dia 1º de abril.
Com sua deposição, o governador foi encarcerado no 14º Regimento de Infantaria do Recife, tendo sido posteriormente levado para a ilha de Fernando de Noronha, onde permaneceu por onze meses. Em seguida, foi encaminhado para as prisões da Companhia da Guarda e do Corpo de Bombeiros no Recife e da Fortaleza de Santa Cruz no Rio de Janeiro. Em 19 de abril seu pedido de habeas corpus foi protocolado no Supremo Tribunal Federal.Feita a concessão, foi libertado em 25 de maio de 1965 e, para evitar novas prisões, decidiu exilar-se na Argélia.É sobre as memórias deste exílio que iremos abordar.
Refletindo historicamente, compreendemos a importância dos registros, sobretudo como preservação de memórias que estão sempre em interação com espaços ocupados pelos indivíduos. Segundo Paul Ricoeur, a memória é intelectiva e sensitiva, ou seja, é composta por imagens que são apreendidas pela sensibilidade e influenciadas pela experiência. Neste sentido, entende-se a memória como dinâmica, sempre estando em contato com novas vivências, novas concepções e locais de leituras do mundo, assim o ato de narrar é sempre algo novo. Embora o indivíduo histórico seja o mesmo, suas vivências não são.
A fotografia como preservação de memória nos dá novas possibilidades de estudo da história, como também de entender o mundo através das imagens, muito embora assim como documento escrito, não podemos cair no erro positivista de achar que tudo que está registrado é verdadeiro. As novas tecnologias podem facilmente manipular as imagens através de softwares que surpreendentemente confundem o real com o fictício, mas para nossa prática escolar e de pesquisa histórica devemos
Discutir a possibilidade de mentir da imagem fotográfica. A revolução digital, provocada pelos avanços da informática, torna cada vez maior esta possibilidade, permitindo até que os mortos ressurjam para tomar mais um chope, tal como a publicidade já mostrou. Não importa se a imagem mente; o importante é saber porque mentiu e como mentiu. (Mauad:1996, p. 15)
Trazendo a temática dos refugiados sírios através das imagens, nossa proposta é discutir o registro fotográfico como documento, o texto neste caso é a própria imagem, sendo texto, devemos fazer as mesmas interrogações que fazemos ao texto escrito, percebendo que as fotos espalhadas pelas mídias, sobretudo pelas redes sociais, não somente nos apontam à sensibilidade para com as pessoas que sofrem, mas narram uma história, que é atual e que milhares de pessoas estão sendo vítimas dela. Não podendo intervir diretamente na realidade dos refugiados, movidos pelos impactos que as fotografias nos provocam, nossa proposta é ultrapassar os sentimentos, é mobilizá-los para que visualizem os “refugiados”, “exilados” no mundo deles, em suas comunidades, e a partir desta percepção a intervenção como agente de transformação social na vida da comunidade.
Através deste trabalho, pretendemos que os estudantes percebam o papel da narrativa, sobretudo a figura do narrador, presente no seu dia-a-dia, pois dentro de suas casas, das comunidades, igrejas, nos ônibus, sempre nos deparamos com pessoas que estão dispostas a partilhar suas experiências e, muitas vezes, não damos importância. Portanto, entendendo o narrador como esta figura de memórias, acreditamos ser importante os alunos percebê-lo nas ambiências extraescolares e seu papel na sociedade, de sempre ler o tempo passado como construção do presente, situando o estudante nestes locais de narrativa histórica, sejam estes os objetos, as pessoas ouas redes sociais e a importância deles nestes locais de memória, não apenas como espectador, mas também como produtor de memórias.
A análise e estudo da produção de memória feita através de cartas e fotografias que objetivamos trazer para as aulas, visa estimular o aluno a uma maior valorização do seu papel enquanto agente produtor de memória, de alguém que deixa seus vestígios para posteridade e isto fazemos por uma necessidade primordial do mundo atual, visto que, de acordo com o historiador Eric Hobsbawm, o mundo contemporâneo vive um presente contínuo, ou seja, direcionamos nosso pensamento e atitudes exclusivamente para o presente e esquecemo-nos de nos voltar para o passado,para as memórias do que já se passou e isto causa um esquecimento em nossa sociedade, isto é, uma incapacidade de recordar aquilo que se passou e isso pode ocasionar um sério problema abrindo espaço para que desastres ocorridos possam reverberar no nosso tempo e em cima dessa particularidade do mundo contemporâneo é que pretendemos resgatar a importância de produzir registros das memórias. Em outras palavras, instigar nos alunos uma percepção da necessidade da História em nossa sociedade.
Com isso, buscamos mostrar que coisas do nosso cotidiano, como cartas, que podem ser aqui assimiladas as mensagens eletrônicas da atualidade, e fotografias podem ser utilizadas como fontes históricas e que os próprios alunos têm o potencial de serem produtores de registros do seu tempo.
Referências bibliográficas:
ACNUR. Extrato do Livro “A Situação dos Refugiados no Mundo. 50 anos de acção humanitária; ACNUR; 2000”. Acesso: 05 setembro 2016. Disponível em: http://www.acnur.org/t3/portugues/informacao-geral/premio-nansen/o-altocomissario-fridtjof-nansen

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Miguel Arraes de Alencar. Acesso: 07 Setembro 2016. Disponível em:  http://www.pe.gov.br/governo/galeria-de-governadores/miguel-arraes-de-alencar/

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SAMARA, Eni de Mesquita, TUPY, Ismênia S. da Silveira T. História & Documento e Metodologia de Pesquisa. Belo Horizonte: 2007.




[1]CRUZ, Fábio Lucas. A História e as memórias do exílio brasileiro. Revista Catarinense de História [on-line], Florianópolis, n.20, p.115-137, 2012. (Pág. 115/116)
[2] CRUZ, Fábio Lucas. Op. Cit. (Pág. 135)
[3] Série de protestos ocorridos no mundo árabe iniciados na Tunísia em 2010 onde se reivindicava inicialmente melhorias socioeconômicas e contra governos não democráticos, mas que evoluiu para uma contestação do alinhamento desses governos a países ou ideias ocidentais, visto que estes últimos foram responsáveis por sua colonização no séc. XIX.

[4]Número de mortos em guerra civil na Síria chega a 470 mil, diz jornal.  Acesso: 14 setembro 2016. Disponível em:

[5] Dados sobre refúgio no Brasil. Acesso: 14 setembro 2016. Disponível em: http://www.acnur.org/portugues/recursos/estatisticas/dados-sobre-refugio-no-brasil/

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