Para
entender os motivos e os agentes que ocuparam os atuais bairros do
Recife, é necessário perceber a complexidade dos acontecimentos
passados séculos atrás. O artigo de Thatiana Lima Vasconcelos e
Lucilene Antunes Correia Marques de Sá, “A Cartografia, Histórica
da Região Metropolitana do Recife”, nos mostra, por meio da
cartografia, como os eventos históricos se refletiram em
transformações no espaço físico.
Tomando
como ponto de partida o Período Holandês (1630-1654), o Recife
passa diversas transformações em seu espaço físico (aterramento
de mangues, construção de pontes, drenagem de camboas) e, com todas
essas melhorias em sua infraestrutura, Recife torna-se, de fato, a
capital de Pernambuco. Mesmo após a expulsão dos holandeses, o
progresso do Recife não parou, e o mesmo foi elevado à condição
de vila. A cidade começa a crescer do centro para o interior; os
engenhos destas áreas foram aos poucos sendo divididos em sítios e
lotes, dando origem a alguns bairros, como Madalena, Torre, Derby,
Beberibe, Apipucos e Várzea.
Finalmente,
em 1827, Recife tornou-se capital. Dentre os fatores que contribuíram
para o crescimento da cidade, podemos destacar: 1) a abertura dos
portos às nações amigas; 2) a abolição da escravatura no final
do século XIX, que gerou um grande movimento migratório dos
ex-escravos para a cidade do Recife em busca de melhores condições
(dando origem aos mocambos); 3) o processo de industrialização; 4)
desarticulação dos antigos sistemas de produção rural.
Thatiana e Lucilene elucidam que, até mesmo pequenos de terra, foram prejudicados por essa desarticulação, forçando-os a esticar e inchar a crescente malha urbana do Recife; baseando-se na obra de Ângela Maranhão Barreto, O Recife Através dos Tempos: Formação da sua Paisagem (1994), as autoras dirigem-nos para o local de migração dessa população: a concentração urbana, então, direciona-se para as margens do rio Capibaribe, localizando-se no Derby, Torre e bairros do entorno.
A
partir de 1951, a cidade do Recife inicia um processo de conurbação
com algumas cidades vizinhas. Utilizando os mapas do Atlas Histórico
Cartográfico do Recife, de José Luís da Mota Menezes (1988), as
autores expõem o crescimento do centro da cidade de forma tentacular
através da consolidação de importantes elementos de penetração
no continente, como a Avenida Caxangá, o rio Capibaribe, o projeto
da estrada férrea de Jaboatão e a estrada do Sul.
Já
do ponto de vista da História Ambiental, o artigo “A Calamidade do
Século: diálogos ambientais e orais sobre a Cheia de 1975”
escrito por Frederico Neto, morador do Cardoso, comunidade localizada
no bairro da Torre, trata dum período anterior e posterior à Cheia
de 1975, utilizando o clima como acompanhante dos fatos históricos
acontecidos na época. O autor utiliza como fontes para a pesquisa
jornais impressos (Diario de Pernambuco e Jornal do Commércio) e
fontes orais, neste caso, entrevistas com Laderié Silva Oliveira, a
Dona Naná, e Adalcina Feliciana da Costa, conhecida como Dona Dadá,
moradoras do Cardoso desde 1944 e 1957, respectivamente, a quem ele
apresenta como sobreviventes da Cheia na Comunidade.
O
Cardoso é uma comunidade de 183 hectares localizada entre a Avenida
Caxangá e a Igreja da Torre. A ocupação do lugar deu-se por conta
da Fábrica de Estopa, na Avenida Caxangá. O proprietário cedia aos
funcionários um lote no terreno da fábrica. Por meio do relato da
memória de Dona Naná, o autor detalha como era a vida das pessoas
que moravam naquele lugar. As casas eram de taipa, as ruas alagavam
com a chuva e muitas pessoas criavam animais e vendiam no Mercado da
Madalena, para tirarem o próprio sustento.
De acordo com os relatos de Dona Dadá, o Cardoso tem esse nome porque um homem chamado assim era quem cobrava o aluguel do terreno da fábrica. Como o local não tinha nome, foi sendo conhecido assim pelos moradores e moradoras. Intercalando os relatos dos veículos de comunicação de massa locais e trechos das entrevistas com as duas fontes, o autor faz uma análise factual e de memória, produzindo um efeito de mistura entre relatos oficiais e não oficiais levantando questões e preenchendo lacunas. Além disso, também são feitas comparações com períodos históricos longícuos utilizado um documento do século XVIII que relata uma enchente em Tamandaré e Itamaracá, no litoral do estado, que também causou impacto na economia e sociedade colonial. O autor concluí o artigo escrevendo sobre as fontes utilizadas: “Os relatos orais foram de grande importância para perceber o quanto foi o sofrimento e a fidedignidade do depoimento é importante para dar peso ao que se fala. Nada melhor do que falar de eventos que já se sucederam por quem viveram eles.”
Referências:
VASCONCELOS, Thatiana Lima.
A Cartografia Histórica da Região Metropolitana do Recife. Paraty:
Anais do I Simpósio
Brasileiro de Cartografia Histórica,
2011.
NETO,
Frederico. A Calamidade do Século: diálogos ambientais e orais
sobre a Cheia de 1975. Recife, 2014.
Os dois artigos colocam problemas interessantes ao nosso debate. O primeiro é o constante crescimento da cidade e uma relação específica que a "cidade" estabelece como o ambiente natural. Mangues, rios, etc. Interessante esse relato sobre a criação de animais. Muita coisa pode ser discutida a partir desse simples dado.
ResponderExcluirOutra questão é o pagamento de aluguel do terreno. Sabem o que é isso? Como se fazia? Esta é uma questão comum à maior parte das comunidades do Recife, e não apenas na Torre. Vamos pesquisar o que vem a ser esse pagamento de aluguel?